A autora do livro chama-se Vera Lúcia de
Oliveira. Livro de poesia, o quinto da coleção
Brasiliana (Antonio Pellicani Editore, Roma,
1998): por isso bilíngüe: Tempo de Doer/Tempo di
Soffrire. Os poemas são curtos (apenas
um vai pouco além de uma página); os versos,
quase sempre em disposição liberta da regularidade
estrófica, poucas vezes ultrapassam as oito
sílabas. Por isso, quando os lemos, a primeira
impressão é a de frases cortadas, melodias
suspensas, notas soltas, imagens
independentes, pedaços da realidade. Livro bom de
ler, mas não é gostoso, não é daqueles que deixam
o leitor satisfeito de si mesmo, não é para gente
que envelhece sem maldade. Conforme a
autora deixa claro na epígrafe, o título foi
inspirado em Guimarães Rosa (Campo Geral – Corpo de
Baile). Quando nos deparamos com estas
palavras sobre dor ou sofrimento logo nos
lembramos dos românticos e de alguns poemas
chorosos ou cheio de manhas. E o que encontramos?
Encontramos poemas-coisas, estranhos à
explicitação dos sentimentos, embora haja lá uma
espécie de dor escondida, de dilaceração oculta,
contida, resistente, perceptível apenas por alguns
indícios de perda, de corrosão, de dissolução, de
universo fragmentário ou residual. Fico tentado a
dizer que a melhor interpretação do livro está
sintetizada no último poema, o curtíssimo e
irônico
“Posvérbio”
depois de ter puído a
pedra
a água perdeu o
emprego Talvez Vera Lúcia (ou o
poeta que ela forjou para fazer os poemas) esteja
querendo nos revelar, com esses dois versos que
invertem o provérbio antigo (água mole em pedra dura tanto bate
até que fura), o seu processo poético: o
sofrimento da poesia não está no que ela exprime
ou apenas no que expressa, mas naquele fazer que
busca desnudar a palavra de toda a carga sensível
ou sentimental, a fim de mostrar, com
objetividade e crueza, a impotência comunicativa
da linguagem: esta tem que se descarnar para ser
poesia. “Posvérbio” assinala, estrategicamente, o
percurso do livro que se divide em três partes:
Nos vãos do tijolo, Cortes e Desvios de
doer. Forçando a mão (bendito gerúndio), temos aí
três constelações temáticas, que nos fazem lembrar
um caminho ascético que começa com a corrosão
material e chega à purificação, depois de passar
pelo estágio do sofrimento. Tudo isso são, porém,
impressões de leitura. O melhor é, pois, ler o
livro, do qual destacamos três pedras de
toque: O
corpo de um
torturado
escava através dos séculos
sua intensidade de dor e morte
mas Deus, para quem não existe a
história
como atura o
horror
desse
instante
onde só o que muda é a
boca
que grita? (A História, p.
64)
o mundo
veste
uma cortina
cinza
a alma não
sabe
se foi violentada (Dúvida, p. 128)
pele de urso
descolada do osso (Noite Domada) |