POÉTICA
E METAFÍSICA DO POENTE
Por
dentro do fruto a chuva, antologia poética do português Nuno Júdice,
voz entre as mais altas e originais da literatura portuguesa contemporânea,
dá-nos uma amostra de como o poeta combate a sua silenciosa e quotidiana
luta contra o indizível da poesia. Porque para o autor a poesia é o mistério,
a revelação do absoluto que ele tenta, a todo custo, plasmar nas formas
que a língua lhe pôs à disposição. É o incomensurável que ele
procura domesticar na convivência pertinaz de cada momento. (...)
Cada
poema não é que um fragmento de um todo muito mais vasto e intricado,
pois a sua “essência reside no fragmento de um absoluto / que algum
deus levou consigo” (“Metafísica”). Por isso, pela impossibilidade
de capturar o esconso desta substância fluida, Nuno Júdice não despreza
o recurso ao inconsciente, ao sonho, à bruma, às manhãs de outono e
inverno, às atmosferas em que onírico é colhido de forma profusa,
impetuosa e barroca e em que os vocábulos se associam de modo
aparentemente caótico, arrastando o puro e o impuro da memória.
Há uma procura do senso íntimo e visceral de cada instante e de cada
elemento, principalmente no seio da natureza, freqüentemente revisitada
pelo poeta. (...)
Celebrar
o imanente e captar o subjacente secreto, o respirar manso do mundo em
mutação, é o seu intento. Daí a freqüência nos versos das atmosferas
chuvosas, que impregnam a terra, contaminam o inerte, criam um tempo de
passagem e de elo entre o sólido e o líquido, a matéria e o movimento
voraz da vida que se perpetua. Essa mesma contaminação leva para dentro
do poema as coisas e pessoas concretas da existência e para fora essas
mesmas coisas e pessoas transfiguradas, menos contingentes e precárias,
mais vivas do que na própria vida. (...)
Supérfluo
é ir buscar em Nuno Júdice a luz solar mediterrânea de uma Sophia de
Mello Breyner ou de um Eugênio de Andrade. A luz que lambe seus versos é
enevoada, luz nórdica difusa, que ilumina em lusco-fusco, sem revelar
totalmente, mas sem ofuscar com a sua intensidade. A noite, com sua
umidade de ventre e seus rumores indistintos parece revelar mais do que o
dia distinto e racional. Até mesmo uma cidade luzente como Lisboa mostra
uma faceta inusitada de si, se vista sob a névoa do inverno: “em Lisboa,
/ no inverno, há quem sofra com a solidão que / desce com a tarde”
(“Um inverno em Lisboa”). (...)
O
surpreendente neste poeta é que, embora sua poesia pareça debruçada
sobre si mesma, sem historicidade e sem ambição de projetar-se ativa e
incisivamente na realidade, na verdade para Nuno Júdice a poesia tem função
altamente humanizadora, de pesquisa e conhecimento da nossa essência mais
íntima, é atividade cognitiva por excelência e dela não prescindimos.
(...)
Vera
Lúcia de Oliveira