Atualmente
sou professora de literaturas portuguesa e brasileira na Faculdade de Letras e
Filosofia da "Università degli Studi di Perugia", na Itália. Além do
meu trabalho como docente, escrevo poemas, artigos e ensaios, nas duas línguas,
português e italiano. Gosto também da tradução e, quando posso traduzo, e
publico na Itália autores de língua portuguesa, sobretudo poetas.
Estive
na Itália pela primeira vez em 1983, quando ganhei uma bolsa de estudos do
Ministério do Exterior da Itália, para fazer um curso de especialização de
um ano, na Universidade para Estrangeiros de Perugia.
Perugia
é uma bela e antiga cidade da Úmbria, a região que é chamada "o coração
verde de Itália". Esta é uma terra de santos, acho que há aqui a maior
concentração de santos por metro quadrado do mundo (São Francisco, Santa
Clara, São Benedito, Santa Rita de Cássia, Santa Escolástica, Santo Ubaldo,
São Valentino, só para citar os mais "famosos"). Acho que isso ocorre
porque a Úmbria é verde, bela, suave e poética, com seus vales e montes que
se cobrem de flores na primavera e verão, e que se tingem de amarelo, laranja
e vermelho no outono, quando a natureza se despede com uma explosão de cores
para receber o inverno. Apaixonei-me por esta terra e acabei ficando.
Antes,
porém, fui e voltei muitas vezes ao Brasil, indecisa, porque não é fácil
deixar o próprio país, sobretudo para mim, que sempre fui apaixonada pelo
meu país. Hoje posso dizer que tenho dois corações, come escreveu a amiga e
mestra, na vida como na literatura, a Prof. Luciana Stegagno Picchio, da
Universidade de Roma "La Sapienza".
Quando
resolveu morar na Itália?
Não
é que eu tenha resolvido, aconteceu. Conheci meu marido, Cláudio, e foi um
amor à primeira vista. Porém, como disse acima, não foi nada fácil,
simplesmente porque a gente tem que se acostumar com outra cultura, outro modo
de ver e de viver. Isso amadurece, nos leva a ver as coisas de forma mais
completa, a não achar que somos o centro do mundo, a não se apegar demais a
coisas sem importância. Para dar um exemplo: sempre fui muito apegada a
certos objetos (livros, discos, etc..), e acreditava que não poderia viver
sem eles. Pois bem, quando a gente muda de casa e de país, não dá para
carregar tudo, temos que nos despojar de muita coisa. Assim, aprendi que tudo
o que é pesado nos impede de caminhar, e não falo só de peso físico, falo
de sentimentos, lembranças, experiências negativas das quais não nos
desligamos. Tento ser leve, tento não acumular coisas, como alguém que está
sempre pronto para partir. Aliás, nós somos viajantes precários e deveríamos
nos lembrar disso a cada momento.
Tem
quantas poesias escritas?
Não
sei, não contei. Tenho vários livros publicados e dois inéditos. Entre os
livros de poesia publicados, no Brasil e na Itália, estão Geografia d'ombra (poesia),
Fonèma Venezia,
1989; Tempo de doer/Tempo di soffrire (poesia), Pellicani, Roma,
1998; La guarigione
(poesia), La Fenice, Senigallia, 2000; A chuva nos ruídos (antologia poética), Escrituras, São
Paulo, 2004; Verrà l'anno
(poesia), Fara, Santarcangelo di Romagna, 2005; No coração da boca (poesia), Escrituras, São Paulo, 2006;
Entre
as junturas dos ossos,
Ministério da Educação e Cultura, Brasília,
2006; A
poesia é um estado de transe (poesia), Portal Editora, São Paulo, 2010; La carne quando è sola (poesia), Società Editrice Fiorentina,
Firenze, 2011. Recebi vários prêmios por esses livros, e isso me
ajudou muito, pois, se a poesia tem o seu lado solitário, ela pede também o
momento de abertura ao outro, de encontro com o outro, que é o leitor.
Escreve
somente poesias ou é adepta de outros gêneros literários também?
Como
disse acima, escrevo também ensaios literários.
Escreve
em português ou prefere o italiano?
Escrevo
normalmente nas duas línguas.
Se
lembra de sua cidade natal, Cândido Mota?
Lembro-me
muito de Cândido Mota, e a visito todos os anos, porque tenho uma amiga nesta
cidade que para mim é mais do que uma irmã, Maria José Godoy. Estudamos na
Faculdade de Letras da Unesp. Ficamos depois alguns anos distante e nos
reencontramos de novo. Ela esteve já algumas vezes em minha casa na Itália.
E ela, e toda a sua bela família, me traz a Cândido Mota, cidade onde nasci,
mas que logo depois deixei, com minha família.
Aliás,
tive uma infância nômade, pois meu pai, que trabalhava na Empresa Elétrica
do Vale do Paranapanema, ia de cidade em cidade, levando a pequena família,
que foi aumentando nessas andanças, tanto que cada irmão nasceu em uma
cidade diferente. Cresci em Assis e lá estudei. Porém amo Cândido Mota,
porque a sinto próxima, é uma cidadezinha que não se descaracterizou como
tantas outras do interior, tentando imitar a grande cidade, o que conservou a
sua alma.
Sei
que também viveu em Assis, tem muitas lembranças de lá também?
De
Assis, sim, tenho tantas lembranças, boas e negativas. Lá aprendi o que é a
dor, a perda, a morte. E isso nos marca para sempre. Mas lá também aprendi a
amizade, a generosidade de tantos amigos, o amor da família e pela família,
a ligação telúrica, como diria Drummond, que enraíza a nossa alma no solo.
Lá tenho a minha mãe, que é também um laço forte e fundamental com o
mundo.
Qual
sua formação profissional?
Formei-me
em Letras, pela Unesp de Assis, fiz a especialização na Universidade para
Estrangeiros de Perugia, depois licenciei-me de novo na Itália, em Línguas e
Literaturas Modernas; fiz o doutoramento nas Universidades Federico Secondo de
Nápoles e na Universidade de Palermo. Desde então ensino, primeiro na
Universidade de Lecce e agora na de Perugia, onde também estudei.
Marta
Pereira, o Diario do Vale, Cândido Mota (SP), 16/06/2012