Poesia & Poesia
Poesia bilingue - italiano e portoghese brasiliano.
Vera Lúcia de Oliveira (Maccherani)
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Vera, Trasimeno, foto Claudio Maccherani, 2006

Intervista 14

Intervista a
Vera Lúcia de Oliveira
(Maccherani)
da parte del MEC
(Ministério da Educação, Brasil)
 per la pubblicazione del libro

"Entre as junturas dos ossos"

vincitore, per la poesia,
del 1° concorso

"Literatura Para todos"

novembre 2006


"Conversa com educatores"
1ª Edição, MEC, Brasilia, 2006

 

"Nosso estranho amor" - Caetano veloso

 

  1. Desde quando você começou a gostar de ler? Havia alguém na sua casa que lesse com freqüência, ou que o estimulasse à leitura? Na sua casa tinha livros com fartura ou outros textos? Quais os livros que marcaram sua infância/ adolescência? O que mais gosta de ler (contos, poesias, gibis etc.)?

Sempre gostei de ler, acho que mesmo antes de ter aprendido a fazê-lo. Nasci numa cidadezinha do interior de São Paulo, era a segunda de cinco filhos. Meu pai era eletricista, minha mãe lavava e passava roupa para fora. Tinha um irmão mais velho de dois anos, José Carlos, que já tinha entrado na escola, mas que era arteiro e não gostava nada dos cadernos. Todo dia, quando voltava do trabalho, meu pai se sentava na área de casa, chamava meu irmão e o fazia repetir a lição. Eu ficava rondando ali por perto, fazendo de conta que brincava. Na verdade, ia ouvindo e assimilando avidamente o que meu pai se esforçava para fazer entrar na cabeça do meu irmão, que pensava mesmo era nas crianças jogando bola na rua. Resultado: quando entrei na escola, com seis anos, já sabia contar e já conhecia as letras do alfabeto. Levaram, todos, o maior susto com isto, achando que tinha baixado o espírito santo em casa, mas na verdade era a minha curiosidade voraz que me fez ir assimilando sempre tudo o que via ao meu redor. 

Em casa não havia livros, além dos raros que serviam para a escola. Eu tornei-me o terror de todos os primos, porque vivia buscando desesperadamente algo para ler, e o que achava eram os gibis que eles, a muito custo, conseguiam e que serviam depois para trocar com os amigos. Cheguei a ler e a reler dezenas de vezes alguns livros, como O meu pé de laranja lima, que acompanhou toda minha infância. Sentia-me como aquele menino, personagem do livro, judiado pelos adultos, achava que ninguém ligava para as crianças, que ninguém respeitava a opinião das crianças.

Conservei sempre este amor pela literatura. Assim que foi possível, comecei a ler os grandes autores brasileiros: José de Alencar, Machado de Assis, Graciliano Ramos, Érico Veríssimo e tantos outros, até a grande encontro com Guimarães Rosa. Não tardei em descobrir a literatura portuguesa, a francesa, a norte-americana, a russa, sobretudo Tolstoy, Cechov e Dostoevskij, escritores que me marcaram profundamente. Amava conhecer também a história dos povos, os seus costumes e tradições, a arte e a filosofia que caracterizavam os vários períodos da civilização.  

  1. Como você começou a escrever? Havia algum motivo especial que levasse você à escrita? Seus textos eram só seus, ou os compartilhava com mais alguém?

Quando eu comecei a escrever, descobri que a poesia já estava dentro de mim. Mas, na verdade, não comecei escrevendo versos. Escrevia um diário, e pequenas estórias que ia inventando, de animais, crianças. E lia muito, ou seja, inicialmente, lia o que achava para ler, pela dificuldade em conseguir livros, como disse. Eu comecei mesmo a ler de tudo foi na escola. Era uma escola de periferia, mas muito boa, com professoras que consideravam o ensino uma espécie de vocação. Eu tive uma professora que me deu vários livros de presente. A cada bimestre, ela dava um livro para o melhor aluno. Foram os primeiros livros da minha biblioteca. 

O encontro com a poesia, deu-se mais tarde e penso que isso foi devido ao tipo de enfoque literário que caracteriza as nossas escolas, que dedicam bem pouco espaço à poesia. Uma professora me disse uma vez que a poesia era a mais complexa das artes e que era necessário conhecer muito bem toda a métrica para compor um poema. Isso me levou a esconder os meus papeizinhos rabiscados de versos e me distanciou da poesia por vários anos, pois não me sentia preparada para esta arte. 

Mesmo assim escrevia e inventava muitas histórias, cada pessoa que encontrava despertava minha fantasia, pois imaginava como vivia, o que pensava, o que sentia. Sempre quis saber o que os outros viam e sentiam, como era o mundo visto pelos olhos das outras pessoas. Às vezes sonhava que era um gato, um cachorro, um canarinho, uma andorinha. Outras vezes, que era uma menina vista numa rua, uma mulher que passava, um idoso sentado na praça. Minhas histórias vinham da observação, do conhecimento do mundo ao meu redor. Tudo me interessava, tudo me emocionava: a vida dos meus pais, a luta deles, até a raiva que tinham contra a pobreza. Comecei muito cedo a perceber as diferenças entre gente que tinha muito e gente que não tinha nada.

  1. Como nascem suas histórias / seus personagens? Há algum ritual que siga quando eles aparecem?

Cresci, como disse, numa cidade do interior de São Paulo, no fértil Vale do Paranapanema, uma das regiões mais ricas do estado, mas também uma região onde as contradições sociais são evidentes. Belas cidades, com seus bairros nobres no centro, circundados por outros habitados por gente muito pobre, trabalhadores rurais expulsos do campo pelas condições insuportáveis de vida, que, de tardinha, voltavam nos caminhões de bóias-frias, com suas enxadas nos ombros, o cansaço nos olhos, a terra vermelha, como sangue, grudada no corpo, na roupa, marca indelével que nem todo sabão do mundo conseguiria lavar. Eu morava em uma vila de periferia, zona intermediária entre a cidade rica e a cidade pobre, e cresci em contato direto com tais problemas. Via ao meu redor gente que lutava obstinadamente para sobreviver, homens e mulheres que, com trinta anos, já eram velhos. Menina ainda, eu acreditava que o mundo inteiro fosse dividido em bairros ricos e bairros pobres, e imaginava que, se continuasse a andar do centro para a periferia, encontraria sempre mais miséria e degradação, até o infinito. 

E queria entender o porquê disso tudo, em um momento complicado de repressão e de censura política, muitas vezes interiorizadas pelas pessoas. Fazia perguntas aos meus pais e aos professores, sem receber respostas satisfatórias. Mas não desistia, sempre fui teimosa, queria compreender a realidade e, sobretudo, queria falar sobre as pessoas que conhecia e que me pareciam fortes e corajosas, não obstante as dificuldade que enfrentavam. Comecei, como disse, escrevendo breves contos. A poesia veio pouco depois e me deu a possibilidade de exprimir-me com a máxima concentração e a máxima incisividade. E queria incidir sobre a minha realidade, embora mais tarde tenha descoberto que a poesia, infelizmente, tem possibilidades mínimas de influir sobre o mundo. 

  1. Quem é o seu leitor virtual, aquele que imagina vá ler sua obra?

Não imagino um leitor específico, sei somente que não estou falando sozinha. Ninguém escreve só para si mesmo, porque literatura é comunicação. O que sei, é que sempre desgostei de ler coisas em que não percebia a alma, o corpo, o olhar, o coração do autior atrás do que eu estava lendo. Gosto da palavra emocionada, e que emociona. E gosto da palavra que fala, que chega ao ouvido do outro. 

Há poetas que imaginam um leitor culto, um critico literário de preferência, uma pessoa capaz de perceber até as mínimas conotações do texto. Eu não penso num leitor assim, embora quanto mais consciente ele seja mais vai perceber nuanças do texto. Penso, como sempre pensei, no leitor da minha infância, em mim mesma menina esfomeada de saber das coisas, de conhecer a vida. Acho que é esse o meu leitor preferido, não importa em que momento do seu percurso ele esteja, no início, aprendendo as primeiras letras, no meio, com todo uma bagagem dentro, no fim, com uma mala de conhecimento que o leva adiante, além da vida e da morte. E isso vale tanto quando escrevo poesia, como quando escrevo ensaios de crítica literária. Não escrevo para iniciados, não gosto de literatura para iniciados. Com isso, não quero dizer que se deve baixar o nível do que se faz e buscar a comunicação a qualquer custo. A literatura exige muito de cada um de nós, exige atenção, disponibilidade, esforço de compreensão, sinceridade e sensibilidade.

  1. Quais são seus autores preferidos (brasileiros e estrangeiros)?

Tenho muitos autores preferidos. Amo principalmente os poetas, de todos os períodos. Ezra Pound dizia que os poetas são as antenas de uma época e de uma civilização, porque são capazes de sentir antes o que vai acontecer, têm uma relação muito misteriosa com a vida, enxergam no escuro. São uma espécie de bruxos da alma humana e do universo. As pessoas pensam que a poesia seja inútil, e tentam mesmo marginalizá-la do mundo. 

Mas a poesia tem uma função importante, de mostrar-nos o que não vemos, de fixar momentos, sentimentos, pessoas que o tempo carrega, dos quais não deixa nenhuma memória. Os históricos narram a vida dos grandes políticos, dos reis e generais, dos homens que detém ou detiveram o poder. Os poetas falam de quem não entra na história, de quem vive o seu humilde dia-a-dia que parece nulo, sem fatos importantes, onde cada problema pesa, cada ferida sangra e dói. Se você perde o emprego, se você perde o trem, se você perde o filho, isso não interessa a ninguém. Interessa ao poeta, que observa, pensa, sente aquilo e, se tiver sorte, conseguirá fixar o momento, que parece sem valor, que ele sabe que interessa a poucos. Por isso a poesia hoje não tem mais um lugar na história, na sociedade. O poeta fala de coisas consideradas muitas vezes reles, do ponto de vista – claro - de uma história feita por, e para, os privilegiados.

Para o poeta, no entanto, tudo é matéria de poesia, como diziam Bandeira e Drummond. Até o meu calo, se este calo me levar a um momento de epifania. Os homens aprendem grandes coisas, às vezes, das coisas aparentemente banais. A poesia não generaliza, não arredonda. Cada pessoa é única, cada ferida, cada sorriso, cada sonho é único. A poesia é o que de mais anti-globalização possa existir.

Entre os poetas que amo estão Manuel Bandeira, Fernando Pessoa, Bernardim Ribeiro, Camões, Lêdo Ivo, Cesário Verde, Florbela Espanca, Carlos Drummond de Andrade, Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Raul Bopp, Carlos Nejar, Sophia de Mello Breyner, Eugênio de Andrade, Giuseppe Ungaretti, Dante, Leopardi, Cesare Pavese, Giorgio Caproni, Alda Merini, Sandro Penna, sem contar os mais jovens e também os da minha geração. 

  1. Que experiências pessoais gostaria de compartilhar com neoleitores? Que outros livros sugere para os neoleitores que receberão os livros dessa coleção?

Sugiro todos os livros do mundo, todos os que puderem ler, quando puderem ler. Penso que quem tem amor pela leitura sempre vai viver de forma diferente, vai ter mais possibilidade de enfrentar as dificuldades. 

Lembro-me de um momento muito difícil da minha vida, em que passei um tempo no hospital. Pois, deste período, do que mais me lembro são os livros maravilhosos que li. Quando me disseram que teria que ser internada, enchi a mala de livros, pus os que nunca tinha tempo de ler e outros que sempre queria ler. Deixei de fora coisas que os outros achavam essenciais, mas não os livros. E, numa cama de hospital, não via as horas longas dos doentes, como eu mesma era, não via as horas vazias em que se deprime e se oprime os outros com nossas lamentações. Não, eu viajava, ia de história em história. Não era uma fuga da realidade, não me afastava da vida, ao contrário, quando eu voltava estava muito mais preparada para enfrentá-la, para entendê-la, para ter paciência comigo mesma e com os outros. 

A leitura me acompanha sempre. Se sei que vou a um banco onde há fila, levo um livro na bolsa. Se tenho que esperar um ônibus que não chega, tiro o livro fora e retomo a viagem. E se faço uma longa viagem, como muitas vezes acontece, viajo na viagem com os livros que carrego comigo.

  1. O que significa para você a prática da leitura? Que lugar ocupa em sua vida? E que outras práticas culturais ajudam a formar leitores não apenas de textos escritos, mas de imagens, de códigos, de percepção da realidade, de mais ampla leitura de mundo, no dizer de Paulo Freire?

Ler é viajar, como disse, é viver mais intensamente, viver em dobro. Porque além da vida que está dentro de nós pulsando, há a vida que estamos seguindo nas páginas de um livro, que acrescenta algo à nossa própria vida. Vamos ficando mais conscientes através da leitura, acho que até mais intensos e belos. Porque a beleza está no brilho dos olhos que nos fixam, está na intensidade que percebemos na outra pessoa, não está só num rosto belo ou num corpo esbelto. Ler significa ver, abrir-se ao mundo, ter curiosidade, ter interesse por tudo. Não se perder nas pequenas e mesquinhas coisas que nos acorrentam a sentimentos negativos, como inimizade, inveja, rancor. 

  1. Além de escrever, o que você também gosta de fazer? (Explique com detalhes)

Além de escrever, também sou professora. Depois que terminei o curso de letras na Faculdade de Ciências e Letras de Assis (UNESP), concorri para uma bolsa de estudos para a especialização no exterior. Obtive uma bolsa para a Itália. Não foi fácil, minha família não tinha meios para me sustentar, eu mesma estudei e trabalhei enquanto fazia a faculdade. Para conseguir algum dinheiro para a viagem, decidi pôr todos os meus livros e discos à venda, pensando que um dia recompraria tudo de novo.

Assim, comecei um outro momento, na Itália, país de origem de minha avó e que eu desejava muito conhecer. Freqüentei um curso de especialização em Perugia, depois me inscrevi em outro curso, e fiz outra licenciatura. Neste meio tempo, conheci e me casei com Cláudio Maccherani, meu companheiro de tantas andanças, uma pessoa especial, pois não é fácil, acho, viver com alguém tão inquieta e nômade como sou. Sempre batalhando, tentei outro concurso e consegui uma bolsa para cursar o doutorado na Itália, em seguida prestei concurso e entrei na Universidade de Lecce, onde trabalho ainda hoje e onde tenho tantos alunos, apaixonados pela nossa cultura e literatura. De fato, na Faculdade de Línguas e Literaturas Estrangeiras de Lecce ensino língua portuguesa e literaturas portuguesa e brasileira, coisa que adoro fazer. 

Na Europa em geral, e também na Itália, não se conhece muito o Brasil. Os alunos vêm com certas idéias estereotipadas do nosso país, tudo é carnaval, samba, mulatas. Pensam que tudo é alegria, que os brasileiros estão rindo desde que se levantam da cama. Com poucas exceções, não têm a percepção dos nossos problemas. Então, através da literatura, da leitura dos grandes escritores, e também através da música, elas vão descobrindo o Brasil, mas um Brasil complexo, contraditório, onde o belo e o sublime convivem com a miséria das favelas. Tudo isso é o Brasil. 

Também trabalho como tradutora e já traduzi vários poetas, brasileiros, portugueses, angolanos e italianos. E já fui interprete em vários eventos, entre os quais a Copa do Mundo de 1990, onde fui uma das quatro interpretes da Seleção Brasileira na Itália. Foi uma experiência interessante, era um mundo, este do futebol profissional, que me parecia irreal, onde tudo era exagerado, desproporcionado.

  1. Você já tem novos projetos de escrita para o futuro?

Sim, tenho tantos projetos. Vivendo entre o Brasil e a Itália, acabei assimilando o italiano como uma das línguas da minha alma. Assim, hoje escrevo nas duas línguas. No começo isso me causava um certo temor de perder a língua portuguesa como língua de poesia. Hoje não me preocupo mais, na Bíblia está escrito que o Espírito sopra onde quer, e eu acrescento: “sopra também na língua que quer”. 

Depois do livro Entre as junturas dos ossos, escrevi em italiano o livro Verrà l’anno (Fara, Santarcanelo di Romagna, 2005), também de poemas, que recebeu dois prêmios importantes na Itália, o prêmio “Popoli in cammino” e o Prêmio Internacional de Poesia Pasolini. E, neste momento, estou trabalhando em um novo livro, entre poesia e prosa, escrito em português.

Ao lado da criação literária, há a parte ensaísta e este ano foi publicado, na Itália, um livro sobre a obra de Guimarães Rosa, Storie nella storia: le parabole di Guimarães Rosa (Pensa Multimedia, Lecce, 2006), ao lado de outros ensaios publicados no Brasil, na Itália e em Portugal.

E continuo meu percurso na poesia, que para mim é fundamental, e que dá sentido a tudo. Sou uma pessoa solitária, mas ao mesmo tempo nunca quis viver isolada. Gosto de estar com as pessoas e, nesse sentido, gosto da confusão até mesmo de uma grande cidade como São Paulo. Quando caminho pelas ruas, vejo outras pessoas ao meu lado, que nem me conhecem, que nada sabem de mim, mas sinto que são pessoas irmãs, que estamos fazendo a mesma estrada, que têm também seus problemas, como eu tenho os meus e que, se fosse necessário, seriam solidárias, como eu o seria. Esta sensação é que me leva à poesia, a percepção de que não estamos sozinhos, não importa que momento duro estejamos atravessando, haverá sempre alguém que vamos encontrar, gente que deixará na nossa vida um sinal de amor. Com isso, não vamos poder evitar os maus encontros, as pessoas que vão nos ferir, mas estas vão se ferir também profundamente, e espero que um dia entendam o porquê.

  1. Em sua opinião, qual a importância de iniciativas como a do MEC de promover o Concurso Literatura para Todos?

Quando fiquei sabendo deste concurso, achei uma ótima idéia, e quis participar dele. Não imaginava que o meu livro seria escolhido, imaginei que tantos mandariam suas obras. Assim, quando recebi a noticia, tive quase medo, pensei que era uma grande responsabilidade.

O que fiz então foi reler o livro, tentando vê-lo com outros olhos, não mais com os meus, mas com os olhos desse leitor que imagino ávido de palavras e vida, e que, mesmo adulto, porque não teve antes a possibilidade e o tempo de estudar, se aproxima com emoção do texto, qualquer texto, manuseia-o, imaginando seus segredos e mistérios. Esse leitor foi sempre bem vindo na minha vida e espero que ele se sinta a vontade nesta casa de poesia, que ele caminhe comigo, que viaje por dentro da coisas, no coração delas.

  1. Que outros tipos de iniciativas podem ser feitas para popularizar / favorecer a prática da leitura entre jovens e adultos recém-alfabetizados?

Seria preciso criar novas bibliotecas, tantas bibliotecas, até nas cidade pequenas e distantes, organizar nelas encontros culturais, convidar autores, convidar jornalistas, sociólogos, filósofos, artistas. Organizar exposições de arte, projetar filmes. E promover trocas de experiências entre os leitores, trocas de histórias, de vivências. E promover viagens, dar a possibilidade para que as pessoas aprendam também outras línguas, conheçam outras culturas.

  1. Quais as principais características da obra?

As pessoas acham estranho o titulo deste livro, Entres as junturas dos ossos. Ficam pensando em algo de mórbido, em algo de negativo, pela referência à palavra “ossos”, que se associa à imagem da morte. 

Ao contrário, o que está entre as “junturas de ossos” é o que temos de mais recôndito, de mais profundo no corpo vivo. É na profundidade do corpo que estas palavras viajam, na profundidade da terra, das plantas, dos bichos e das pedras. Na verdade, esta é mesmo uma viagem, ou um convite a partir, a penetrar em tudo que há de mais íntimo e intrínseco dentro de nós, como a memória, a infância que cada um conserva, a imagem de manhãs e tardes, em que sentíamos a vida dentro sem termos, às vezes, noção e percepção desse milagre.

E, como a poesia concentra significados, cada palavra no texto tem seu peso específico, é feita de concretude e pesa como a coisa que ela representa. Tem cheiro, sabor, range, geme, uiva, fala, às vezes rasteja na página como um bicho, às vezes esbraveja como uma pessoa ferida, às vezes ilumina como uma lâmpada, às vezes chora como num luto, às vezes rasga a casca da semente que é de som e ao mesmo tempo não o é.

  1. O que dá unidade aos poemas do livro?

O que dá unidade aos poemas é que todos estão ligados a esta viagem, a este percurso ao interior das coisas. Ler um poema não é como ler um artigo do jornal. Muitas vezes um poema parece dispor as palavras de forma misteriosa na página. Mas, naquela especifica disposição, há um fio ligando uma coisa à outra, um significado a um som, um termo a um corpo, uma pausa a uma ausência ou a uma presença invisível.

Cito um poema, que me parece representativo do livro e que tem o título de “Vozes”:

 

“vozes na tarde porosas

penas de pássaros

sopradas enfiam-se

por frinchas escavam

nichos nos vãos

abrigam veias vagas

surdos corpos de som”

 

Pois bem, estas “vozes” foi o que sempre busquei na poesia e também na vida, as vozes que ouço, de pessoas, animais e coisas. Tenho tantas vozes dentro, cada pessoa tem a sua, que é uma janela da própria história e da alma. As pessoas querem tanto ser ouvidas, acho que a maior infelicidade humana é não ter alguém que nos ouça, alguém para compartilhar nossas descobertas e também frustrações e feridas, e a nossa grande fome de amor.

Pois eu ouço, tenho curiosidade e paixão por estas vozes, que são também minhas, e as transformo em palavras, em poesia. Uma poesia é como uma concha que a gente encosta no ouvido, uma concha pequena com dentro o marulho do mar grande e eterno.

in "Conversa com educatores", 1ª Edição, MEC, Brasilia, 2006, pp.36-37

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(by Claudio Maccherani )