os
pássaros de lata arrulham nas ferrovias dos nervos
os
pássaros de madeira mascam o macio dos músculos
os
pássaros de papel voam para dentro das crases
os
pássaros de carvão rabiscam suas asas no ventre
os
pássaros de fogo puxam os pássaros de chuva
os
pássaros de pano acalentam os pássaros de pranto
Neste livro
de poemas, a poetisa Vera Lúcia de Oliveira, em suas próprias palavras, nos oferece um convite a
mergulhar no que há de mais intimo e intrínseco dentro de cada um de
nós. É uma viagem pela memória, a infância que cada um conserva, a
imagem de manhãs e tardes nas quais sentíamos a vida dentro de nós sem
que tivéssemos, muitas vezes, noção e percepção desse milagre divino.
E, como a poesia concentra significados, cada palavra no texto tem suo
peso específico, é feita de concretude e pesa como a coisa que ela
representa. Tem cheiro, sabor, range, geme, uiva, fala, às vezes rasteja
na página como um bicho, esbreveja como uma pessoa ferida, ilumina como
uma lâmpada, chora como num luto ou rasga a casca da semente, que é de
som e ao mesmo tempo não é. O que está entre as junturas dos ossos é o
que temos de mais profundo no corpo vivo, onde as palavras viajam, na
profundidade da terra, das plantas, dos bichos e das pedras.
"nebbia sul Trasimeno", foto Claudio
Maccherani,
2006
Com quantas coisas se faz um poema? Com palavras, ritmo, cor – e um
assunto. “Fui gerando meu pisado vagaroso/nas fraturas das coisas”.
Nesses dois versos, Vera Lúcia de Oliveira diz muito sobre seu jeito de
fazer poesia: lento, buscando a matéria do poema na ruptura da superfície
lisa da realidade.
Para
a autora de Entre as junturas dos ossos, as coisas se fraturam porque são
percebidas em muitas dimensões, às vezes até contraditórias. Seus
poemas procuram dar conta de todas as vidas presentes na memória: tudo o
que foi vivido e perdido, e mesmo assim conservado. Eles querem dar conta
do sentimento do que se foi e que ao mesmo tempo é definitivo.
Desse
lugar de onde se avista tudo, a percepção da poeta vê de igual distância
o mundo das coisas presentes e o das que nunca passaram. Visto dali, o
cotidiano se desconstrói e seus elementos se transformam num sentimento
de espanto, parecendo denunciar a existência de uma realidade notável
logo abaixo da superfície do trivial e que se deixa ver justamente nos
elementos mais banais oferecidos à percepção.
Esses poemas graves, que anunciam e esmiúçam o mistério da perenidade
do vivido, buscam as palavras exatas para dizê-lo, e com elas - com o
instrumento delicado da exatidão - se desdobram em imagens que, embora
incisivas, surpreendem por sua fluidez.
O jogo entre as palavras duras e as imagens muito fluidas se estabelece
graças à fina inteligência poética com que a autora constrói sua
poesia. Uma síntese pontuada por cortes, mas ao mesmo tempo segura e
clara, que faz com que o poema percorra os territórios do que é impossível
dizer para dizê-lo mesmo assim, simplesmente e com finalidade, sempre com
a qualidade de surpresa que instala o bom poema na
mente do leitor, ao lado de sua memória das coisas vividas.
Heloísa
Jahn, Commissão Jugadora, I Concurso Literatura para Todos, Brasilia, 2006
Entre as junturas dos ossos , versione integrale in formato PDF (9 MB) del libro
come pubblicato dal MEC (Ministério da
Educação e Cultura do Brasil).
Recensioni:
Ira Maria Maciel, in
Revista Brasileira de Educação, vol.12 no.36, Rio de
Janeiro, Sept./Dec. 2007; Maria Lúcia de Amorim Soares,
in Revista Brasileira de Educação, vol.9 n.1, Sorocaba,
SP, pp.145-147, Maio 2007, Vinicius Mizejeski, blog,
21/04/2012.