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"Morte
e Vida Severina" - Chico Buarque de Hollanda, 1966
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Aos
amigos Donizete Galvão e Eduardo Dall'Alba (in memoriam),
companheiros de poesia e vida, generosos e sempre presentes dentro de mim.
aquela
cidadecomia a
gente pelo intestino aquela cidade tinha boca para devorar o mundo todo de onde vieira aquela cidade tinha fome que não se saciava, ele agora
para alimentá-la
dera para atravessar as noites num farol vendo os carros implorando os
carros
a
dor entra no mundo
entra de abrupto
se instala no múscolo
e toda vida vira em volta
desse ponto
minúscolo
roupa
a gente lava de raiva
passa com raiva
entrega com raiva
vida a gente leva com raiva
passa com raiva
entrega com raiva
criança
só sabe
pedir
a única coisa que criança sabe fazer
alêm de pedir é chorar de fome
Dona
Benta e Seu Benedito
andavam un na frente de outro
anos sempre assim, um parece
chegando sem nunca encontrar
o outro
esse
cão que me segue
é minha família, minha vida
ele tem frio mas não late nem pede
ele sabe que o que eu tenho
também divido com ele
ele é meu irmão
ele é que é meu dono
Músculo,
minúsculo, crepúsculo. Esses três vocábulos diminutivos,
como se fossem bússolas ou faróis, aparecem de modo destacado nesta
coletânea de poemas e estão ligados ao cerne da obra lírica de Vera Lúcia
de Oliveira. Sempre fiel a si mesma, a poeta costuma direcionar os olhos
para o que é vivo, inquieto, pulsante; para os temas corriqueiros da
"vida menor", como escreveu Carlos Drummond de Andrade em A
rosa do povo; para um mundo dissolvido em sombras, isto é, cheio de
misérias e desfalcado de esperanças - mundo observado de perto, a partir
de um ponto de vista generoso, mas sobretudo lúcido e pessimista.
(...)
A
coletânea é composta, como de hábito, por poemas muito curtos (setenta
ao todo), possuindo em média cinco ou seis versos (o maior contém apenas
doze). No mais breve de todos, constituído de um único e espichado
verso, diz a poeta: "nasceu foi para mirar o miolo da coisa virar em
volta da coisa atracar na coisa". Está claro que ela não fala
apenas de si mesma, mas define, por extensão, o ser da própria poesia.
Embora seja confundida tantas vezes com escapismo ou fuga do real, sua
ligação é sempre com o concreto, seu desejo é o de flagrar "o
segredo das coisas". A exemplo de outros grandes poetas de nossa
tradição moderna, o lirismo de Vera Lúcia tem raízes no cotidiano, de
onde ela extrai seus pequenos enigmas.
(...)
cipressi toscani (foto Claudio Maccherani,
2014)
Com
efeito, nessa poesia contaminada por intenso "sentimento do mundo"
(para citar mais uma vez Drummond), é notável a coerência entre fundo e
forma. À temática rebaixada do cotidiano, corresponde uma linguagem
simples, de forte prosaísmo, cheia de marcas de oralidade. A repetição
que ocorre em tantos poemas, numa espécie de cantilena sem fim, é
trabalhada, ao mesmo tempo, como imitação da fala e como recurso poético
e musical.
(...)
Na
obra poética de Vera Lúcia de Oliveira, lugar de participação e
conhecimento, canto de ternura e também de asperezas, o que prevalece é
esse agudo senso do real. Nenhum escapismo, nenhuma transcendência,
nenhuma inconsciência. Como a dor, a poesia é um modo de sentir e
apalpar o dentro da vida - nas palavras de Mário, a "grandeza de ser
e de viver".
Ivan
Marques
Recensioni:;
Alexandre Bonfim,
Diário
da Manhã, Goiás, setembro 2014; Albano Martins, Fili
d'aquilone, gen/mar 2015, Adelto
Gonçalves, Das Letras, São
Paulo, 17/03/2015, Carlos Machado, "O músculo amargo do mundo",
Poesia.net n.341, Saõ Paulo, 14/10/2015, Roberto Bozzetti, Passages
de Paris 13 (2016), Lee Flôres, in una intervista di Jean
Albuquerque in Margem Cultural, medium.com,
17/05/2017
"Lançamento" del
libro e "sarau poetico" in ricordo di Donizete Galvão
presso la Livraria Martins Fontes Paulista, Avenida
Paulista 509, São Paulo, 20 agosto 2014