Per
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”ave
em carne viva”, pastores de pássaros, rosto inverso, tijolo, moenda,
choro, a vida mesmo cura, a primeira vez, torce-se o vento, obsessão,
aprendo, o bojo das coisas, no teu corpo, o abandono, enfermas, os livros,
dos loucos, pássaros convulsos, calor de outubro, o vento não conhece,
os retratos, desse rio, resistência, casebres, geografia, a passividade,
incompatibilidade, estado de viagem, rumores, carícia, terceiro mundo,
infância, outono, luz da tarde, partição, esgarçar-se, nem todo verbo.
tocaia,
palafitas, coisas, casa abandonada, para o filho, paredes, paralisia,
vasos dentro de casa, canções, assis: a criação, assis: a difusão, o
vento na árvore é deus, vezes, luz do quarto, telhado negro, o gato e a
física, o olho, previsões, lição de ácido, a história, só o paf da
coisa, o inquilino novo, o sádico, tortura, feridas, dor (I), dor (II),
os deuses, gemidos, viro tarde, já é idéia, ovo de dor, o sinônimo,
diante de deus, cortes, criaturas de sombra, como um guincho, rodas, o
indizível, quando eu morrer, Cândido Mota, as pala-vras todas, passos,
borboletinha, nem indo nem vindo, caminho, andorinhas, os arabescos, poema
para Manoel de Barros, crônica milanesa, gênese de Miró, o ateliê,
natureza-quase morta, árvores, na volta, sentir o vento, posvérbio.
o
direito ao esquerdo, cão batido, o filho, experimento falho, o trigo,
migração, canção de exílio às avessas, a guerra II, misticis-mo,
negação, inverno, poema, pedras, março no horizonte, os bichos, sem
palpitações, agudo, postes, do avesso, praça, infância, lenço
estendido, os galos, noturna, borboletas surdas, os bruxos, os olhos do
pai, os gatos, coisas aflitas.
Cielo brasiliano
foto Vera Lúcia de Oliveira, 2003
a
poesia dói dentro de mim, meu pai, grade de ferro, o útero, janela
aberta, rua de comércio, canção de ninar, o silêncio, profano as
coisas, a minha poesia não fala nada, tardes de aula, o mar e o brejo,
pedaços , notas, explicação desnecessária.
"Um amigo para
respirar juntos" – observa Elias Canetti em seus Apontamentos.
E nisso pensei ao ler a poesia lúcida, clara, dorida e tantas vezes
luminosa de Vera Lúcia de Oliveira, brasileira-italiana ou
italiana-brasileira que, radi-cada em Perugia, é doutora em Literatura,
crítica e tradutora. Sua poesia nos dá a impressão jubilosa de respirar
junto com o leitor, oscilando com o sopro, o fôle-go, as batidas rítmicas
de um coração. Seu reconhecimento que já ocorre na Itália, onde tem
editado os seus livros, merece que também se imponha no Brasil,
des-fazendo o preconceito de que "ninguém é profeta na sua
terra". E esta antologia, A chuva nos ruídos,
pela Escrituras Editora, vem preencher essa evidente lacuna.
Sua criação perfaz-se de pedra e ferro, como uma
escultura, com o poema forjado por um Rodin contemporâneo, um Brancusi,
profanando as coi-sas, desmistificando os signos, quebrando os símbolos,
rasgando as formas, des-constituindo para recriar, plasmar, permanecer,
mesmo sabendo que "morrer cansa"; propondo "a negação que
é vontade de virar palavra", embora com ver-sos que são pedras.
Pois é a construção de um livro de livros, edifício verbal har-monioso
e terrível, onde a beleza apóia-se nos prumos. A imagética sinestésica
deslumbra o leitor pela junção de elementos inesperados: "Os relâmpagos
e seus roncos"; "meio-dia de sol que atravessa a alma";
"o latejar de cão batido"; "dor de bicho / prazer de bicho".
Ou este prodigioso provérbio: "depois de ter puído a pedra / a água
perdeu o emprego".
Sua poesia é composta de marcas inesquecíveis, poemas-crisálidas. Cito
alguns: "O direito ao esquerdo", "Misticismo, "Pedras",
"Os galos", "Os bruxos", "Os olhos do pai".
Todos gravados com as obsessões do sofrimento. Subjazendo a isso,
entretanto, um sol infindável, as palavras que ficam, pois são "as
que vai dizer antes de morrer". E tal é a dor que começa a se
quedar sem dentro – pela superação, pela rasgadura, os porões do céu
e os gemidos ("que buraco negro engole tudo?"). Há o tempo de
roer e o de coser, o da traça e o da paciência, como no Eclesiastes.
"A hora de poder gemer" não seria a da transcendência?
Momentos para nascer. E a infância compadece-se, brota "cheia de
trens", e a adolescência "de rodas". Da velocidade ao círculo,
a rotação. A infância sabe de si mesma, onde (e isto é antológico!)
"quem mais vê, mais afunda na morte". Portanto, de fragilidade
em fragilidade, "loucos chamam nossa alma". Daí ser a visita a
Assis, do "louco" Francisco, a liberação da forma, a lenta
edificação das mãos e o final súbito: "a outra estava / é".
Persiste. Dura. E o belíssimo "O vento na árvore é Deus". O
Vento do Espírito que sopra onde quer. O que é a Rocha vivente. A árvore
que voa, a flor que permanece contínua (como a de Drummond, que fura o
asfalto), apesar do "bicho comido pelo escuro" (o terror, o medo).
É árvore de luz, onde "o que mais caminha / fustiga". Sim,
este é um verbo com que a poeta intenta atrair, fascinar, atordoar o
leitor. Mas não é só o movimento, o açoi-te, é também a paralisia
– instante extraordinário desta coisificação do universo, que esta
poesia reflete com a precisão de quem respira, com a pergunta:
"Pesar é mor-rer?" E o lugar da terra é improrrogável. Não só
por ser com(pacta), isto é, destino, mas por seu ofício de prolongar a
humana transitoriedade. Nem por isso foge do social, do quotidiano, da
constatação da miséria circundante, da guerra criminosa. "Palafitas",
entre outros, abre-se a uma humanidade que "rói a guerra roendo / a
luta". Aliás, é admirável este poema, em que o dinamismo imagético
desdobra-se e nutre-se "dos vermes em conclave", "o fio da
vida" é o alimento da fome. Pois tudo é penúria, fome, charco no
mundo que nos cerca e que o poema capta. A riqueza desta poesia está na
aparente pobreza, que, por sinal, embasa a estética do cinema novo, com
Glauber Rocha (Terra em transe).
O despojamento é um penetrar nas coisas pelo avesso, certa carnavalização
backtiana. E é o tijolo que engole a histó-ria, numa inversão de
acontecimentos. Porque a história é coisa e a coisa corrói-se, inapelável.
No entanto, o mais curioso: a arte veriana desarma-se, armando, como
"o pomar dos verbos verdes" que explode junto ao "vento
roedor". O tato é o tempo, "à espera das tubas do juízo"...
Sim, tudo é trituração, absorção, lucidez intermitente;
palavras-ossos, palavras-tijolos, palavras-pedras, palavras-juízos. Toda
essa concreção do abstrato planeja a claridade.
E o cosmos dilatado pela imaginação dos avessos move
essa poética, às vezes, pongeana, com dicção peculiar, a mudez exposta,
"universo inchado que não lateja (quantas vezes o verbo "latejar"!)
por não ter osso". Pois o "osso" é o traço da existência
e da morte na criação de uma secura que não permite inter-valo da
inconsciência. Todavia, trabalha a armadilha nesta caça em que o caçado
é o caçador com a suavidade dos adágios: "o que mais deve ter doído
na cruz / é a passividade", ou "a pedra está na água em
estado de viagem".
Vera Lúcia de Oliveira, presa à língua portuguesa pelo vínculo da
simplici-dade bandeiriana e à "pedra" de Drummond ou cabralina,
aliado ao da contensão e sonoridade de Cesário Verde ou Camilo Pessanha,
é italiana, de outra feita, pela devastadora humanidade que povoa de
resistência até as pedras do silêncio. Ou da matéria consumida, tais
como Montale, Quasímodo, Ungaretti. Um mundo que se desfaz na juntura do
osso. Sem esquecer nunca – o que é criativo – o diálogo intertextual
que se fertiliza com sutileza e sátira como em Geografie d’ombra (1989),
poema sinfônico de variações e assonâncias que se interpõem. Como
facas na mão de exímia atiradora. Nada nesta poesia é impassível: os
retratos na parede, os utensílios substantivos ou adjetivos. O verbo é
de constante locomo-ção, eixo rodando o moinho, rio subterrâneo, em que
a alma não deixa de ser fungível, pétrea. E se os livros querem ser
lidos, esperneiam, nominalizam-se com a identidade do sangue. "Escrever
com sangue é escrever com espírito" – obser-vava Nietzsche. Numa
arte de onomatopéia que cintila: "pé de pedra / pedra que se
desprega / da própria pedra", unida a uma beleza hipnótica: "Andorinhas
cal-mas / incham ninho na alma" ou "cães que aprenderam a amar
outra espécie de morte". E que morte é essa, senão a do
desconhecido, a de engendrar, apren-dendo o esquecimento. Mas a
expectativa é a de que a dor "seja fugaz, que tudo se obstine em ser
fugaz". Sem perder o choque, a astúcia borgeana de captar o leitor:
com a "porta... batida" // um baque de corpo / coxo". Vera
é poeta de um sofrimento que rejeita a resignação, combate o revés,
labora entre quedas do mundo onde até o sol "é fundo feroz".
Contudo, sabe contemplar doce e terna-mente o universo. E simultaneamente,
é palpável, inventivo, o túrgido ruído que se mantém na reiteração
do "p" e "v", as fricativas do tempo, a sina, "o
vício de virar do / avesso o ventre / de palpar a vértebra / onde
palpita a voracidade / do ser em oscilação". O ludismo é autofágico,
inexorável. E tal antilirismo engendra a música do abismo, o abismo do
contraste, o som atonal da dor escavando. Então as imagens surpreendem
pelo absurdo de um Ionesco, como a de um "cão doente / à procura do
dono / que o matou a pauladas". Um cão fantasma, um cão punitivo,
um cão saído das ruínas de Comala, de Juan Rulfo. Compondo-se de uma
sabedoria do refrão que se oculta, com versos-lápides, como pretendia
Eliot, vislumbrando: "A vida mesmo cura / o mais obstinado
amor". A técnica moedora, de palavra em palavra, sulcando-as em delírio,
com a prática de agôni-ca laceração. O poema é a coisa, que "retoma
o pó das horas". As coisas são escavação, a perna – a perna. E
a incompletude: lastro corrosivo.
Ressalte-se,
leitores, quanto esta poesia é de humildade, fereza, com o jogo metafórico
trabalhando entre oposições, seja de vocábulos, seja de percep-ções,
seja de um tempo que opera internamente. Vejam a pungência e os
con-trastes: "adoecia para ver o pai despetalar-se / os caibros /
refazer sobre nós suas mãos de paina", em "Rosto
inverso". A busca da sombra paterna, do pai maior, como Enéas a
Anquises, depois da morte. Mas não se enganem, trituran-te é a luz, sim,
a luz da moenda esmagando os grãos graves. "Osso", "pele",
"san-gue" – elementos comuns do corpo do poema. Um ser vivo. O
sol roedor, a moenda do tempo, o envelhecer da matéria, "o coração
da noite quebradiço". Pois o poema em Vera Lúcia de Oliveira pulsa,
semente no ventre de incendiada criação com o fogo que a brisa leva. Não,
não podemos ficar jamais imunes ou isentos ao seu fragor de crítica
solidariedade. Pela capacidade volátil de um ser que se enraíza numa
outra, de penedia, severidade verbal. Não se entrega de logo. Descoberta
é o que existe em cada verso, senso de real, totalidade. Com fluidez de
água austera, pura, sabe capturar, iluminando, os fluxos e refluxos no poço
de nossa condição humana.
Carlos
Nejar, Paiol da Aurora, Guarapari, ES, 12.12.2003
Comunico, com muita satisfação, à ilustre escritora que o plenário
da Academia Brasileira de Letras decidiu conceder o Prêmio ABL de Poesia
de 2005 a V. Sa. por seu livro A
chuva nos ruídos, e à escritora Neide Archanjo, por seu livro Todas
as horas e antes.
Ao felicitá-la, aproveito o ensejo para informar-lhe que a
solenidade de entrega será realizada na sede da Academia, no Rio de
Janeiro, no dia 20 de julho, quarta-feira, às 17 horas.
Na oportunidade, apresento-lhe as expressões de apreço e consideração.
Atenciosamente,
Ivan Junqueira
Presidente
Academia
Brasileira de Letras,
Av. Presidente Wilson, 203 - Castelo, 22030-021 – Rio de Janeiro
Recensioni:
Prisca Agustoni, Semicerchio, numero XXXII, 2005, p.94, Álvaro
Alves de Faria, rascunho, Críticas e resenhas,
Curitiba, 11 agosto 2006, Kátia
Cristina Pelegrino Sellin e Ricardo Magalhães Bulhões,